Juízas do Trabalho e muito mais

Juízas do Trabalho e muito mais

O despertador toca e parece que faz cinco minutos que ela se deitou. Banho, escova no cabelo, maquiagem. Acha que hoje sua aparência não está das melhores, pois dormiu muito pouco. No horário da audiência, ela tenta entrar na sala telepresencial, mas a internet está ruim. Com alguma insistência – que não vale nada, pois o sinal vem quando quer -, consegue entrar e verificar que são sete reclamadas a serem qualificadas. Silencia o Zoom e tira a imagem, enquanto o secretário qualifica as partes. Aproveita para passar o café, tirar o almoço do freezer e lavar as frutas para o café da manhã dos filhos, que ainda não acordaram. O marido toma o café e sai apressado, simulando, de longe, um beijo. Volta para o Zoom e faz as audiências do dia, levando um bom tempo nas tentativas de conciliação, que são o que pode haver de melhor nesses tempos de pandemia.

Das audiências realizadas, uma adiada por problemas técnicos de testemunhas, alguns acordos são fechados e cinco sentenças são prolatadas. Já é hora de almoço e das aulas dos filhos, também telepresenciais. A fase do choro já passou e eles conseguem acompanhar o professor, ainda que fiquem de olho nos respectivos celulares. O almoço descongelado vai para o micro-ondas e depois para os pratos. “Até que não está mal, não”, pensa.

Louça na máquina, e agora o computador vira um editor de texto. Mas onde estariam seus óculos? Uma parada para atender os filhos, e para uma corrida ao mercado, pois as frutas acabaram. Depois do mercado, o trabalho é carregar, limpar com álcool, e guardar as compras, voltando para a sentença complicada. Entre livros consultados e pesquisa na internet, ela resolve o problema de sobrevivência de alguém. Para ela, vale a técnica, e o que a lei lhe diz. Sabe que nunca pode julgar com o coração, embora tenha que estar sensível aos problemas que as partes lhe trazem. Uma equação difícil de resolver, mas ela consegue, porque estudou anos para isso. Passou por fases e fases dos concursos, que até pensou em abandonar. Persistiu, como persiste a dor nas costas de ficar meio torta, defronte à tela.

Despachos no PJe (Processo Judicial Eletrônico) e a felicidade de poder acessar sem problemas. “Quanta coisa!”, pensa. Fala com a Diretora da Secretaria pelo telefone, porque é preciso dar andamento naquela execução. Já é quase a hora do jantar e não pensou em nenhum prato! No improviso, sai uma salada com filés de frango... Dá tempo para a leitura de dois artigos, um passeio no Face, no Whatsapp – “desculpa, amiga, só vi agora!” -, e no Insta, pois adora ver as fotos. Beijo nos filhos e no marido e um pouco de TV, que só traz notícia ruim. Amanhã o jantar vai ser via delivery, e ela fará nove audiências, um curso da Ejud (Escola Judiciária), e escreverá um artigo. Porque ela é mulher. Porque ela é Juíza do Trabalho! 

Olga Vishnevsky Fortes é juíza titular da 7ª Vara do Trabalho da Zona Sul de São Paulo, presidente interina da ABMT (Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho) e pós-graduada em Processo Civil e Administração Judiciária.

Publicado em: 08/03/2021 08:00:00

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