O papel da JT como mecanismo de proteção, preservação do emprego, da empresa e da saúde do trabalhador

O papel da JT como mecanismo de proteção, preservação do emprego, da empresa e da saúde do trabalhador

A pandemia, a Lei e a Justiça

Estamos diante do maior evento da era contemporânea depois das duas grandes guerras: a pandemia pelo Coronavírus Covid-19, que viajou da China para o mundo, atingindo 38,1 milhões de pessoas, com mais de 1 milhão de mortos. No Brasil, o número de infectados é de mais de 5 milhões e o de mortos ultrapassa os 150 mil2.

Diferentemente do que ocorreu com outras pandemias, como a peste negra3 e a gripe espanhola4, o isolamento social e a mudança de hábitos foram suficientes para diminuir o contágio crescente, embora estejamos próximos à noticiada 2a onda, mais branda, mas ainda possivelmente devastadora. Usamos máscaras e lavamos as mãos de forma incessante, na esperança de sairmos ilesos da doença, ainda que estejamos sujeitos à marca de mais de 800 milhões de extremamente pobres no mundo. A pandemia também deixou rastros marcantes na economia mundial.

Por aqui, tivemos medidas governamentais para conter os efeitos deletérios da Covid-19, como a Medida Provisória 927, de 22/03/20 que previu medidas de enfrentamento dos efeitos econômicos da pandemia, como o teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, o banco de horas, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, o direcionamento do trabalhador para a qualificação e o deferimento do recolhimento do FGTS. Tal Medida Provisória perdeu vigência, embora sua eficácia, quanto às medidas tomadas durante sua vigência, ainda persista.

Já a Medida Provisória 936, de 1°/04/20, convertida na Lei 14020 de 6/07/20, instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com previsão do pagamento do benefício emergencial de preservação do emprego e da renda, a redução proporcional de jornada de trabalho e salário e a suspensão temporária do contrato de trabalho5. O auxílio emergencial foi prorrogado até dezembro de 2020, pela MP 1000/20. Outras tantas Medidas Provisórias foram editadas de forma a possibilitar o funcionamento das empresas, como as que concederem benefícios financeiros e fiscais, e manter os postos de trabalho.

Embora as medidas estejam longe do ideal, fato é que o cenário de fome no Brasil foi mitigado, mas o de pobreza aumentou de forma significativa segundo estudo realizado pelo Instituto Mundial das Nações Unidas para a Pesquisa Econômica do Desenvolvimento, que aponta 14,4 milhões de brasileiros na pobreza pandêmica.

Com a adoção das várias Medidas Provisórias pelo Executivo, especialmente as que previam mudanças no cenário dos contratos de trabalho, a Justiça do Trabalho teve que apresentar respostas rápidas para, diante da essencialidade do serviço prestado, responder às demandas e estar apta a funcionar, ainda que de forma não presencial.

Assim é que o CNJ editou as Resoluções 3137 ,3148,3189, Portaria 7910, Resoluções 32211, 33712, 34113 e 34514; o TST, por seus órgãos administrativos editou os Atos Conjuntos 515 e 616 do CSJT.GP.GVP. CGJT e o Ato 1117 da GCGJT e mais regionalmente, o TRT da 2a Região editou, entre outros, os Atos GP 0818 e 1519 e as Portarias CR 0620 e 0721, e a Resolução GP/CR 03/2022 alterada pela Resolução GP/ CR 05/2023.

Em apertada síntese, os prazos foram suspensos e depois voltaram a correr24, sempre com a adoção do atendimento remoto. Aos poucos, os Tribunais, como o da Segunda Região, planejaram e estão retornando às atividades presenciais, mas o fazem de forma ordenada, para evitar o contágio.

O Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, no período compreendido entre 17/03/20 a 18/10/20 proferiu 272 mil sentenças, 137 mil acórdãos, 2 milhões de despachos em 1° grau, 56 mil em segundo, 36 mil decisões em primeiro grau e 125 em segundo, entre outros milhares de atos praticados. Até 24/06/20 o Tribunal já havia realizado quase 18 mil audiências telepresenciais.

Assim é que a Justiça do Trabalho esteve e está presente para atender o jurisdicionado durante todo o período de isolamento social em razão da pandemia do Covid-19.

A tecnologia e a Justiça presente

O atendimento ao jurisdicionado durante a pandemia só foi possível pela digitalização dos processos e pela realização de audiências e sessões telepresenciais.

A digitalização dos processos ocorreu com um amplo planejamento26 e permitiu o acesso remoto aos processos que tramitam pelo PJe, sendo possível que pedidos fossem feitos e apreciados durante todo o isolamento social. Já, as audiências e sessões telepresenciais ganharam força após as já citadas Resoluções do CNJ e, ainda com algumas dificuldades técnicas iniciais, possibilitaram a oitiva de partes e testemunhas e as sustentações dos advogados perante as Turmas dos Tribunais, por meio da plataforma Webex.

Muito se discutiu sobre a necessária incomunicabilidade entre partes e testemunhas, e a possibilidade de leitura ou consulta não autorizada de dados durante os depoimentos nas audiências telepresenciais. Mas a prática demonstrou que é possível garantir a incomunicabilidade28 com o acesso isolado à plataforma e com a garantia de isolamento local dos depoentes. A boa-fé e a colaboração dos advogados permite que o Juiz verifique que não há consulta dos depoentes aos dados do processo31. O olhar experiente e atento do Magistrado, que detém o poder de ampla verificação da lisura na colheita da prova, se mostrou eficiente e hoje garante a realização de audiências telepresenciais, sem maiores dificuldades.

A vocação conciliatória dos Magistrados também tem sido um fator importante na resolução de conflitos na pandemia: por meio dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (NUPEMEC) e dos Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (CEJUSC) que atuaram e atuam na forma telepresencial, os conflitos coletivos e individuais são resolvidos antes e no curso dos processos.

A tecnologia é tendência crescente, que nos trouxe a possibilidade de um Judiciário 100% digital, que já ouve testemunhas e partes à distância, faz tramitar processos eletronicamente, se comunica com outros órgãos públicos remotamente, abdicou da expedição de precatórias e até rogatórias, e realiza constrições por um sistema já integrado. Somos uma gigantesca, eficiente32 e tecnológica máquina processante, que nunca abriu mão do seu importante papel na pacificação social.

As decisões que preservaram empregos, empresas e a saúde do trabalhador

De forma a preservar a saúde dos trabalhadores durante a pandemia o TST, por sua Ministra Presidente Maria Cristina Peduzzi, manteve uma liminar em Mandado de Segurança concedida para o fornecimento de máscaras, luvas e materiais descartáveis, concluindo que a decisão do Tribunal Regional não paralisa as atividades da empresa estatal, já que não foram impostas restrições efetivas, mas simples adoção de medidas de extremo relevo no combate à pandemia em benefício não somente dos trabalhadores envolvidos, mas de toda a sociedade.

Já, no sentido de permitir descontos salariais nos benefícios pagos aos empregados do grupo de risco e em trabalho remoto, a decisão do TST, também por sua Ministra Presidente Maria Cristina Peduzzi, teve como escopo a preservação da empresa, com o deferimento parcial da suspensão de liminar em Mandado de Segurança, sob o fundamento de que os benefícios antes pagos previam o desempenho presencial34 e, ante as circunstâncias, seriam indevidos.

No TRT da Segunda Região decisões de flexibilização do pagamento de acordos foram tomadas para a preservação da empresa e dos postos de trabalho35; uma empregada foi reintegrada quando, dispensada, comprovou estar inscrita nas hipóteses previstas de trabalho remoto, que expressamente requereu36; um empregado foi reintegrado, quando dispensado por justa causa por faltas, comprovou motivos pessoais relevantes para não cumprir o horário de trabalho alterado na pandemia37; uma casa de saúde foi condenada a cumprir as medidas recomendadas pelo Ministério da Saúde, como o uso de EPI’s, álcool gel, e a remanejar ou afastar trabalhadores que compunham o grupo de risco.

Foram alguns exemplos inseridos num universo de decisões que confirmam a relevância da Justiça do Trabalho, que cumpre seu papel com serenidade, celeridade e eficiência.

Os desafios do futuro

Nos dias de hoje, a tecnologia que ajuda é a mesma que nos aprisiona. Sem ela não podemos produzir e com ela poderemos, num futuro próximo, não ter mais como produzir. É a dependência tecnológica que se transforma no temor ancestral da substituição do homem pela máquina.

Yuval Noah Harari, na sua obra “21 lições para o século 21”39 no capítulo denominado “Trabalho”, se refere ao desenvolvimento da inteligência artificial, que faz a máquina entender o ser humano em seus algoritmos bioquímicos falhos e substituí-lo em todo tipo de trabalho, mesmo o intelectual, aprendendo a ler e a desenvolver as intuições como formas de pensamentos padronizados.

Estamos preocupados, com razão, com a “uberização” e a precarização do trabalho, mas essa já é uma realidade, posta e acentuada no período pandêmico, não acompanhada pela necessária previsão legislativa. O dilema que nos aflige: trazer as novas formas de trabalho para o enquadramento da velha lei, que garante direitos, mas não garante empregos ou o mínimo existencial para todos, ou aguardar novas regras que disponham sobre as novas relações, algumas delas “intermediadas” por algoritmos, de modo a garantir, de forma mais abrangente, o mesmo mínimo existencial que o desemprego massivo afasta.

É claro que a Justiça atua na aplicação da lei em concreto, não podendo criar direitos não previstos, ou interpretações demasiadamente ampliadas de leis existentes, que fogem do cerne da vontade do legislador originário. Já disse em um capítulo de um livro ainda não publicado que as novas relações serão complexas demais para o conceito de subordinação e líquidas demais para o conceito de habitualidade ou continuidade. A onerosidade significará mais que o valor do salário, e a pessoalidade terá novos contornos, porque a presença física é cada vez menos exigida, sendo o trabalho remoto uma realidade crescente.

A lei é mais lenta que a realidade, mas virá e será importante garantir a vontade do legislador constituinte, que, no artigo 114 da Constituição Federal, nos trouxe a competência material para todas as relações de trabalho, fazendo valer a especialização da Justiça do Trabalho para decidir sobre todas as questões ligadas ao trabalho humano, prestado “intuitu personae”, perante o empregador ou qualquer contratante tomador dos serviços.

Cumprimos com eficiência nosso papel de pacificação social e somos vocacionados para a resolução de conflitos do mundo do trabalho. Estamos prontos para o futuro.

Fonte: Revista do Tribunal do Trabalho da 2ª Região

Publicado em: 31/03/2021 09:54:00

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