Trabalhistas para além da narrativa...

Trabalhistas para além da narrativa...

6 de julho de 2021, 11h41

Por Otavio Torres Calvet

Como todos sabemos, em 2016 a Justiça do Trabalho sofreu um duro golpe com a redução drástica de seu orçamento: 30% das dotações para custeio e 90% da verba para investimentos. E não foi apenas a restrição orçamentária que nos afetou, mas a motivação para tal.

O relatório apresentado pela comissão que aprovou o projeto de lei orçamentária para 2016 escancarou o que diversos setores da sociedade pensavam — e ainda pensam — sobre esse ramo do Poder Judiciário: excesso de gastos com uma estrutura que anualmente precisa crescer; estímulo à judicialização dos conflitos trabalhistas, diante de julgamentos "extremamente condescendentes com o trabalhador"; ausência de sucumbência proporcional; gratuidade de Justiça; indenizações ilimitadas; causas com valores desproporcionais; reapresentação de reclamação após falta à audiência pelo trabalhador; prazo excessivo de prescrição.

As razões da comissão registram, ainda, a necessidade de se "coibir a venda de causa, estabelecer que o acordo no sindicato tem que valer como quitação, ampliar a arbitragem e mediação com quitação, e definir que os honorários periciais, quando houve a condenação, têm que ser pagos pelo empregado".

Lembro bem da época, ficamos desesperados. O corte nos levou a imaginar a paralisação das atividades e as razões... Bem, vimos como um ataque à Justiça do Trabalho e o início de um desmonte que, logo depois, teria se concretizado com a reforma trabalhista de 2017, principalmente por tudo haver acontecido após o impeachment da presidente Dilma e no período do governo, por muitos tachado de "golpista", de Michel Temer.

Foi justamente nesse período que nasceu uma das narrativas mais fortes que, até hoje, 2021, ainda impedem o amplo debate sobre o futuro e o presente não só da Justiça, mas do próprio Direito do Trabalho. Pode-se dizer que o relatório acima mencionado seja um dos grandes motivos da ferocidade da "resistência" trabalhista, entrincheirada sob o manto de uma ideologia "progressista", que usa de todas as formas de violência e arbitrariedades contra qualquer ameaça à narrativa que a sustenta.

Sim, mera narrativa, pois a verdade sempre esteve longe da mira do que hoje vejo como "progressistas reacionários". Aliás, pouco importa a realidade, sustentar a narrativa é o que permite a manutenção de todo um projeto de vida, geralmente produzindo um sentimento de irmandade com laços fortes de sustentação mútua, atraindo pessoas que necessitam ingressar num modo preexistente para suportar as próprias vidas.

Nesse sistema, pensar ou fazer diferente, ou sequer aceitar a possibilidade de outra narrativa, quiçá da realidade, constitui um frontal ataque à estrutura criada, reproduzida e reafirmada, a ponto de ser uma única opção silenciar os opositores, o que gera a cultura da lacração ou do cancelamento. Nada mais totalitário. E vindo de "progressistas".

A sinalização dada em 2016 pela comissão que redigiu o relatório do projeto de lei orçamentária daquele ano deveria ter sido, ao invés de satanizada, estudada, decantada e absorvida por todos os envolvidos nos destinos da regulação do trabalho humano no Brasil.

Não foi à toa que a reforma trabalhista de 2017, que fixou diversos daqueles preceitos, acabou tendo trâmite sucinto em uma verdadeira janela política de oportunidade, pois de nada adiantaria buscar uma modificação paulatina com os diversos setores da sociedade, não existe diálogo.

A culpa das mudanças bruscas que a reforma nos trouxe é, em última análise, de quem insiste em utilizar de técnicas fascistas para impedir o diálogo, com toques de violência, que tramitam do digital ao pessoal, tentando desqualificar qualquer narrativa (ou a própria verdade) que não condizem com a sua pauta.

Dentro desse tipo de sociedade em que vivemos, a tendência é optar pelo silêncio, pelo ostracismo, pelo comportamento, e falas, consideradas "politicamente corretas" para que não haja nenhum tipo de embate, conflito ou constrangimento. A violência é tão grande que muitos já modificam sua forma de expressar apenas para agradar à plateia, e não raro simplesmente é melhor não tocar em diversos assuntos para não virar alvo.

Acho incrível como retrocedemos na afirmação de um dos valores mais caros da humanidade, a liberdade, em todos os seus sentidos, principalmente no da expressão, já que vivemos em um mundo virtual, onde redes sociais podem ter alcance infinito. Policiar o que as pessoas falam, com reações violentas, traduz uma das maiores formas de restrição ao exercício das liberdades fundamentais.

Por outro lado, reverberar uma narrativa única, reafirmando o que é aceito pela maioria, seja por comodidade, seja para ser aceito, com a potencialidade das redes sociais, constitui a nova forma de se realizar uma antiga tática nefasta que sequer gosto de citar: repetir tanto uma mentira para torná-la verdade.

A diferença é que cada um de nós pode ser o agente dessa saga totalitária, quando sem refletirmos repassamos mensagens de caráter duvidoso, rotulamos as pessoas, classificamos os amigos, difundimos memes agressivos a biografias e imagens. E o mais engraçado é perceber que a cada dia as pessoas mostram mais nas redes o que elas não são, para esconder quem realmente são.

Rememoro essas circunstâncias para passar uma mensagem de otimismo e chamar para uma nova opção de realidade. Ou talvez queira apenas passar um roteiro de como continuar sendo livre no mundo atual, fruto da minha experiência como uma voz diferente no meio onde vivo e atuo. Nada de novo, mas sempre vale lembrar:

1) As pessoas não te odeiam pelo que você é, mas pelo que elas não conseguem ser;

2) Felizmente é impossível agradar a todos;

3) Eleja as pessoas cujas opiniões realmente importam; com o resto não perca seu tempo;

4) Escreva sem medo o que estiver no seu coração: tudo o que você produz com amor trará bons frutos;

5) Não espere nenhum ganho, nada em troca. A tendência é perder quando você é verdadeiro. Com o tempo você entenderá que essa perda foi um ganho;

6) Não faça nada pensando em convencer os outros, apenas espalhe o que é verdade para você e tenha a humildade de entender que cada um possui liberdade para se convencer do que quiser, ainda que seja uma opção idiota;

7) Nunca faça nada por emoção. "As opiniões mantidas de forma passional são sempre aquelas para as quais não existem bons fundamentos; na verdade, a paixão é a medida da falta de convicção racional de seu defensor" (Bertrand Russel, Ensaios Céticos, L&PM Editores, 2013);

8) Seja gentil, "a violência é o último refúgio do incompetente" (Issac Assimov);

9) O tempo é um santo remédio para todos os males;

10) Aja sempre com calma e elegância.

Da retórica, passemos à ação. Cientes de como a sociedade, fora da bolha jurídica, enxerga a Justiça do Trabalho, cabe-nos refletir onde erramos e como poderemos nos aprimorar, pois não há dúvida de que conflito trabalhista sempre existirá e necessitaremos de uma instância para resolvê-lo.

Entre as diversas possibilidades, que tratarei em mais algumas colunas, há a proposta feita pela Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT), por sua presidente em exercício, Olga Vishnevsky Fortes, já apresentada ao TST e ao CSJT: um projeto de lei sobre custas na Justiça do Trabalho.

Basicamente, a proposta é a criação de um fundo para que o próprio CSJT possa gerir as custas recolhidas nos feitos para investir na estrutura, melhorando as condições de trabalho de magistrados e servidores e, obviamente, o atendimento ao jurisdicionado.

Esse tipo de conduta, proativa, criativa, apartidária, técnica e democrática, constitui o exemplo de que há muito para fazermos e espaço para construirmos uma nova realidade para o Poder Judiciário, absorvendo as críticas da sociedade e buscando meios para evoluirmos.

Ao lado da redução de custos, buscar a autossustentabilidade através da responsabilização do usuário do serviço, dentro das regras de acesso à justiça traçadas pelo legislador e que sejam amparadas pela Constituição. Belo exemplo de que podemos ir além daquela narrativa única.

Otavio Torres Calvet é juiz do Trabalho no TRT-RJ e mestre e doutor em Direito pela PUC-SP.

https://www.conjur.com.br/2021-jul-06/trabalho-contemporaneo-trabalhistas-alem-narrativa

Publicado em: 06/07/2021 16:12:00

Faça parte da ABMT

Fortalecer e aplicar na prática o valor da pluralidade a qualquer regime aberto e democrático.

 

Associe-se

Eventos

Contato

Escreva aqui sua mensagem