Íntegra da sustentação da advogada da ABMT, Carolina Tupinambá

Íntegra da sustentação da advogada da ABMT, Carolina Tupinambá

''Boa tarde a todos, excelentíssimos senhores ministros do Supremo Tribunal Federal e aos demais presentes, a quem cumprimento na pessoa da ilustre ministra no exercício da presidência, ministra Rosa Weber, trazendo uma saudação especial aqui para o ministro relator, ministro Marco Aurélio.

Inicialmente, senhores ministros, consciente de que poder atuar na condição de amicus curiae constitui numa honrosa deferência à requerente, comunico oficialmente a essa corte a sua mais ampla isenção diante dos possíveis resultados do julgamento de hoje, assegurando que a magistratura do Trabalho, cujos integrantes representam, ainda não encerram uma posição homogênea firmada sobre um tema relevante que se coloca, e como neutro amicus curiae.

 A ABMT, associação que congrega centenas de magistrados trabalhistas, quer apenas destacar, sistematizar, ou simplesmente apresentar a pluralidade dos valores em jogo, com a intenção de contribuir com uma construção de uma decisão que melhor equacione os interesses subjacentes dada justamente a convivência diária que desfrutam os associados com os jurisdicionados a serem diretamente impactados por esse julgamento. Então senhores ministros, eu trago três argumentos expressivos favoráveis à obrigatoriedade de uma prévia negociação coletiva para a dispensa em massa, que são: a valorização da negociação coletiva, o princípio protetor e a função social da empresa.

Sem dúvidas que a negociação coletiva se apresenta como melhor, mais pedagógico e maduro sistema para solucionar conflitos que se coloquem entre capital e trabalho. E a necessidade e participação dos sindicatos seria de fato crucial para que os efeitos gerados por uma dispensa coletiva pudessem ser diminuídos. Por exemplo, o diálogo poderia eleger preferência de despedidas dos mais jovens ou de pessoas que não tivessem dependentes, poderia vetar dispensas de trabalhadores próximos à aposentadoria, estabelecer soluções menos drásticas como redução salarial e por aí vai. Essa solução de condicionamento de diálogo prévio inclusive é adotada com êxito em países como Itália, Holanda e Portugal.

O segundo argumento da proteção ao trabalhador é a lógica preconizada pelo Direito do Trabalho, mas assentada no capítulo do artigo 7 do texto Constitucional. E veja só, relator, que a proteção contra a dispensa coletiva no atual momento histórico, se torna extremamente relevante, sobre duas angulações: a crise econômica sem precedentes, agravada por todo esse contexto de pandemia, e o sistema toyotista de produção, apimentado pelo avanço exponencial da tecnologia, que aliás desafia a proteção contra a automação, garantida também no texto constitucional. Certamente então, que nessa época de crise econômica, as dispensas coletivas ocorrerão em maior volume, porque a importância da proteção ganha ainda mais força.

E finalmente, a função social da empresa objetiva boa-fé. Ou seja, o trabalhador não pode sofrer sozinho, muito menos prioritariamente as consequências de uma crise econômica. Esse terceiro argumento se insere num contexto conceitual de capitalismo colaborativo, em que os novos stakeholders têm exigido padrões específicos dos agentes econômicos, em relação à governança, ética, preocupação ambiental e empatia social - conceitos que vem sendo construídos em sede de fóruns mundiais que certamente impactam a interpretação contemporânea da Constituição. E na mesma proporção, de que o trabalho é o bem. A ausência do trabalho é um dos piores males da sociedade. E uma dispensa coletiva envolve, por assim dizer, o trabalhador e sua família, a empresa e toda a comunidade e brasilidade, se podemos dizer assim. De fato, as empresas somente poderiam dispensar coletivamente se os sindicatos atestassem ser casos de extrema necessidade, que colocasse em risco por exemplo a própria sobrevivência empresarial, nada de ciclos próprios do mercado da empregabilidade.

A valorização do trabalho na Constituição pressupõe a proteção contra a dispensa coletiva para além da prevista para a dispensa individual, principalmente diante da realidade brasileira que comporta cenários como sabemos, conhecidos de abuso do poder econômico e de índices alarmantes do desemprego. Mas por outro lado, senhores ministros, são argumentos igualmente impactantes aqueles desfavoráveis. Há necessidade de uma prévia negociação coletiva para a validação das dispensas, quais sejam: livre iniciativa, princípio da legalidade e segurança jurídica. Porque no Brasil o contrato de trabalho pode ser rescindido pela manifestação coletiva do empregador que detém o poder da rescisão, e foi opção dos poderes constituídos a não ratificação da convenção 158 da OIT. Nesse contexto, uma posição arbitrária de condição de validade para determinada tomada de decisão, sem autorização legal, ainda que bem-intencionada, violaria frontalmente a liberdade e autodeterminação desses atores do mercado. 

Em segundo lugar, a ausência de lei, porque o tomador de serviço no direito brasileiro organiza seu negócio contratando e dispensando trabalhadores por critérios que lhe sejam convenientes, desde que observe, por exemplo, um tratamento não discriminatório em processos seletivos, o pagamento de verbas rescisórias em operações de redução de mão de obra. Enfim, todos sabem o quanto chamou a atenção a milionária condenação por danos morais imputada para a churrascaria 'Fogo de Chão' no Rio de Janeiro em decorrência de demissões em massa sem diálogo sindical. Foram R$ 17 milhões arbitrados como penalidades por simplesmente se cumprir a lei.

O terceiro olhar se volta em segurança jurídica porque não há qualquer parâmetro conceitual homogêneo capaz de definir o que seja uma dispensa coletiva. Essa questão de ausência de padrões numéricos temporais desafia o precedente a ser formatado, porque futuramente poderá ser lido ‘ao gosto do freguês’, de acordo com o próprio sentimento de justiça de cada um. Enfim, senhores ministros, a ABMT distingue os fundamentos relevantes que se contrapõem e instigam a reflexão de vossas excelências para a superação dessa tensão social que se coloca, reconhecendo sinceramente que a pluralidade das posições em jogo são igualmente legítimas e desafiadoras para a comunidade que a ABMT representa.


Eu agradeço com os melhores votos a todos de saúde e de sucesso.''

Publicado em: 24/05/2021 18:24:00

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