Conservadores progressistas: três anos de reforma trabalhista

Conservadores progressistas: três anos de reforma trabalhista

Desde o advento da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) a doutrina aponta que vivemos uma nova era no Direito do Trabalho. Para além do discurso ideológico, que supostamente separa “progressistas” e “conservadores” na área trabalhista, o fato é que as mudanças promovidas pela Reforma completam três anos de vigência no próximo dia 11 de novembro.

Os “progressistas” da área trabalhista, na verdade e paradoxalmente, defendem a manutenção do Direito do Trabalho tradicional, com intervenção máxima do Estado através da regulamentação heterônoma com carga de indisponibilidade absoluta, redução do papel da negociação coletiva, financiamento compulsório para as entidades sindicais, acesso ao Poder Judiciário sem responsabilidade do trabalhador (gratuidade total sem sucumbência), inclusão de novas formas de trabalhar (inclusive trabalhadores por aplicativos) nas regras celetistas.

Já os “conservadores” trabalhistas entendem justamente o oposto, criando a abertura para o novo Direito do Trabalho antevisto pela Reforma Trabalhista, onde a negociação coletiva possui papel fundamental e pode se sobrepor ao padrão geral heterônomo, desde que observados os direitos trabalhistas fundamentais que constituem o padrão civilizatório mínimo, atualmente positivado no art. 611-B da CLT.

Ambas as expressões foram colocadas entre aspas para demonstrar, como já deve ter sido percebido, a confusão terminológica dentre os pensadores do Direito do Trabalho, pois os progressistas da área em regra não querem as necessárias mudanças que o progresso da sociedade acarreta.  Talvez a confusão não seja acidental, pois em termos de propaganda ideológica soa simpático aos olhos leigos a alcunha de “progressista”, enquanto o conservadorismo traz uma conotação negativa, principalmente junto às novas gerações.

Independentemente dos rótulos, até porque na área trabalhista os que utilizam a alcunha de “progressistas” são os que fazem “resistência” a um novo modelo de regulação das relações de trabalho, a legislação e o entendimento jurisprudencial estão em franco desenvolvimento para uma nova estruturação do Direito do Trabalho, que possa aliar a garantia dos direitos mínimos, que configuram a dignidade humana do trabalhador, com a autonomia da vontade coletiva e individual para uma maior maleabilidade e segurança nos pactos trabalhistas.

Os três anos de vigência da Reforma Trabalhista mostram claramente a tendência de superação do modelo tradicional, mormente diante dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, que reiteradamente interpreta a Constituição Federal de forma bem diferente da Justiça do Trabalho.  Como exemplos, os julgados acerca do fim da contribuição sindical compulsória, da terceirização na atividade-fim e da responsabilização do ente público na terceirização.

Em recente artigo publicado neste periódico o Ministro do TST Ives Gandra Martins Filho realiza um duro retrato da Justiça do Trabalho ao fazer uma análise psicológica do Direito, demonstrando cientificamente dados que provam a dificuldade de se seguir uma nova linha de interpretação constitucional para o Direito do Trabalho, aquela que justamente vem sendo traçada pelo STF.

Pode ser que essa dificuldade venha da formação de uma geração (na qual me incluo) que aprendeu nos bancos da faculdade que o Direito do Trabalho seria um instrumento de luta a favor de uma classe, que os atores sociais da área trabalhista estariam vinculados a produzir uma transformação na sociedade, principalmente quando ocupando cargos de poder.  A narrativa seduz, mas é perigosa, principalmente quando envolve magistrados, procuradores e auditores fiscais.

Ninguém nega o papel do Direito do Trabalho de garantidor de melhores condições de trabalho e, portanto, de vida, à classe trabalhadora; ninguém deseja o retorno a uma época de exploração desmedida; ninguém quer o fim dos direitos trabalhistas fundamentais.  O problema, que nada tem de novo, é como garantir esses direitos dentro do cenário capitalista.  E justamente aí a área trabalhista entra em paradoxo: sem desenvolvimento econômico é impossível a garantia dos direitos trabalhistas.

Existe consenso entre os estudiosos no sentido de que a produção e a manutenção dos postos de trabalho não são obtidos por simples alteração legislativa, que a regulação trabalhista, mais rígida ou mais flexível, possui pouco impacto na equação do desemprego.  Ao contrário, o estímulo ao empreendedorismo, às atividades econômicas em geral, debita-se a criação das necessárias vagas para ocupação de quem necessita do trabalho para sobreviver dignamente.

Por mais que o Direito do Trabalho esteja vinculado aos direitos humanos, sem uma economia pujante os direitos trabalhistas tendem a minguar.  Logo, a velha narrativa de luta e conflito atua mais para o desgaste do que para a evolução desta ciência, principalmente quando os agentes públicos resolvem se atrincheirar assumindo uma defesa que não é sua, desvirtuando sua atuação, que deve ser sempre imparcial.  

O novo Direito do Trabalho pede simplificação, segurança e autonomia. E é justamente neste sentido que o STF interpreta a Constituição Federal.  A valorização da negociação coletiva, que coloca o ente sindical em posição de destaque na construção da regulação trabalhista, a abertura para a busca da liberdade sindical com o fim da contribuição sindical compulsória, o reconhecimento de que há outras formas de trabalho dignas para além da relação de emprego, são nortes que devem ser internalizados pelos atores sociais da área trabalhista.

Os três anos da Reforma Trabalhista pode ainda ser pouco para entendermos a nova realidade que está à nossa frente.  Inteligência artificial, automação, plataformas digitais, tudo indica que precisamos superar a polarização que impede o diálogo e a reflexão, para superarmos preconceitos e interesses próprios.  Precisamos ser “conservadores progressistas”, avançando na construção do Novo Direito do Trabalho sem esquecer do nosso passado.

Otavio Amaral Calvet é juiz do Trabalho no TRT-RJ, mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP e presidente da ABMT — Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho.

Confira: ConJur

Publicado em: 10/11/2020 17:25:00

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